HALLOWEEN não foi o primeiro filme slasher, gênero de terror marcado por brutais assassinatos em séries, mas foi tão impactante e (re)definidor a ponto de ser considerado um modelo para este tipo de cinema, introduzindo, por exemplo, a figura do assassino silencioso e mascarado perseguindo jovens em alguma data festiva. Feito com pouco orçamento e com direção de John Carpenter, ele se tornou um sucesso esmagador, gerando cópias e as inevitáveis sequências e aqui começam os problemas.
A série é uma das mais confusas do cinema. Isto porque ela teve uma reboots (antes mesmo da prática se solidificar em Hollywood) e até remakes que descambaram neste novo HALLOWEEN. É importante situar este novo capítulo dentro dos anteriores para entender seus méritos e deméritos.
Vamos usar o seguinte mostrador:
Basicamente, temos uma linha do tempo caótica que podemos resumir da seguinte forma: os filmes HALLOWEEN (1978) e HALLOWEEN III se passam em realidades distintas, no terceiro filme é mostrado uma pessoa assistindo ao primeiro na TV. A versão de 2007 é um remake que ganhou uma continuação, ambos sob direção do cantor tornado diretor Rob Zombie.
A confusão se intensifica quando vamos pras sequências diretas do original: HALLOWEEN II (1981) é um ponto comum: produzido na época do estouro de O IMPÉRIO CONTRA-ATACA, ele se passa imediatamente após o primeiro filme, mostrando os eventos seguintes na mesma noite e contando com a revelação de que Michael Meyers, o assassino, e a sobrevivente Laurie Strode (Jamie Lee Curtis) eram irmãos numa clara tentativa de emular o parentesco entre Luke Skywalker e Darth Vader. A partir daqui, temos duas linhas do tempo distintas que se contradizem: após o fracasso do III, trazendo uma trama totalmente diferente sem a presença de Michael Meyers, inicialmente tentaram fazer uma continuação direta do original e do II nas partes 4 e 5, mostrando a filha de Laurie em confronto com o tio. Depois, fizeram um pequeno reboot que ignorava totalmente este dois filmes e estabelecia uma nova história para Laurie Strode, com Curtis de volta ao papel, com H20 e HALLOWEEN: RESURRECTION. A partir daqui, vieram os remakes de Zombie.
Agora, 40 anos após o lançamento do HALLOWEEN original chega um novo filme que, assim como aquele, chama-se apenas "HALLOWEEN", mas o diferencial é que ele ignora praticamente tudo que foi feito antes, tanto os reboots quanto os remakes, e principalmente ignora totalmente a parte II (1981) ainda que traga de volta Jamie Lee Curtis como Laurie, ou seja, mesmo os eventos de H20 e HALLOWEEN: RESURRECTION devem ser completamente ignorados e que bom por isso: é um dos primeiros acertos do filme.
O segundo é trazer os personagens de volta sem negar suas idades. Todos envelhecemos, nossos heróis e vilões também. O rosto de Michael ainda é mostrado de forma rápida e mantido em segredo, mas vemos claramente que se trata de um homem agora idoso, cabelos brancos, na faixa dos 60-70, mas em nada destituído de sua brutalidade e sede de sangue. Ignorando inclusive o fato dele de ele e Laurie serem irmãos - afinal, foi estipulado na parte 2 original, agora igualmente descartada -, a trama começa com uma equipe britânica interessada em fazer um documentário sobre aquela noite décadas atrás, envolvendo entrevistas tanto com Michael quanto com Laurie, onde somos apresentados às suas vidas atuais.
A Laurie que emerge neste filme não é aquela mulher que superou algo horrível e refez sua vida em H20, mas uma que ficou presa naquela noite 40 anos atrás. Ela está mais para uma idosa Sarah Connor, obcecada com Michael e esperando a oportunidade de um novo confronto com ele para o qual se preparou por 4 décadas ao custo da guarda da filha pequena e viver, no presente, alienada da neta e genro. O novo confronto dela com Michael é a grande batalha que o filme lentamente constrói.
Há uma série de perguntas que o filme propositalmente lança e não se
preocupa em responder o que contribui para a desorientação
proporcionada pelo original: por que Meyers escolheu Laurie? Há alguma
razão para ele também mirar na neta dela? O conjunto contribui a transformar novamente Michael numa figura intrigante e sombria, sem explicações demasiadas sobre laços familiares surpreendentes ou o apelo sobrenatural tomado pelas partes 4 e 5 anos atrás: aquele temos de volta aquele assassino insano cujas razões para seus atos habitam apenas sua mente perturbada.
Resgatar o gênero slasher é algo realmente complicado para o cinema de hoje que preferiu mirar no sobrenatural como fonte de renda, mas o diretor David Gordon Green consegue se sair muito bem e, com a produção do próprio John Carpenter e de Jamie Lee Curtis, consegue entregar uma experiência enxuta e despretensiosa, mas com bastante competência que consegue resgatar um pouco da sensação do que pode ter sido assistir aquele primeiro HALLOWEEN. As mortes são esperadas, claro, mas a forma como são construídas consegue o raro sentimento de suspense que o gênero perdeu após tantas sequências não só da franquia, mas de outros como SEXTA-FEIRA 13, A HORA DO ESPANTO etc. Há particularmente uma cena maravilhosamente bem montada quando Michael começa sua matança na qual a câmera, sem cortes, acompanha sua carnificina por algumas casas, hora seguindo-o de perto, hora de longe, mas mostrando sua frieza e brutalidade de forma ininterrupta.
O fato de ignorar tudo que foi feito após o original é um bom convite ao filme que consegue ser, sem sombra de dúvida, tudo que as sequências não conseguiram. É bom lembrar que o segundo HALLOWEEN não estava nos planos de Carpenter e ele só se envolveu sob pressão do estúdio desejoso por uma continuação o que explica, talvez, o clima meio relaxado da produção. Sua presença de volta aqui ao lado da atriz que ajudou a revelar para contar novamente uma sequência direto do primeiro mostra que erros podem ser refeitos.
Há uma série de referências ao original que os fãs mais ardorosos vão pegar e vou deixar sua descoberta como parte da apreciação, mas uma especial é o fato de se refirem a Michael literalmente como "a forma" (the shape): era o termo referido a ele no roteiro do original e como ele é creditado no primeiro filme.
Assim como a dupla Michael/Laurie, HALLOWEEN e todo seu gênero envelheceram, mas isso significa, aqui que continuam brutais ou embrutecidos. Não é uma obra de arte e quem esperar isso de um slasher já comprou seu ingresso para frustração, mas, assim como o original, é um filme bem construído e bom dentro do proposto. Propositalmente, talvez, deixará o espectador esperando por mais o que, por si só, é uma vitória.
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