[CINEMA] SALAAM-E-ISHQ


O cinema de indiano é geralmente exótico para os ocidentais: as histórias transitam em torno de melodramas onde a protagonista deve sofrer antes de ficar com seu grande amor, tudo intercalado por números musicais bastante sofisticados (ou não) dependendo da produção. A indústria cinematográfica de Bombay, conhecida popularmente como "Bollywood", é uma das maiores do mundo, ultrapassando anualmente o número de filmes produzidos por Hollywood.

Assim, chegamos a Salaam-E-Ishq (traduzido como "doce saudação ao amor") ou Salaam E-Ishq: A Tribute to Love, uma produção indiana de 2007 dirigida por Nikhil Advani. A trama é nitidamente inspirada em Simplesmente Amor (Love Actually, Reino Unido, 2003), apresentando as histórias paralelas de 6 casais diferentes que, evidentemente, começam a se cruzar em certos pontos da projeção, mostrando um quadro maior. Como o próprio poster do filme diz, todas tem "um problema em comum. AMOR".

Mesmo devidamente ajustado para o paladar da audiência indiana, é um filme que funciona muito bem para um público internacional e o segredo deste sucesso são os temas universais abordados aqui: casamento, família, decepções, desilusões, encontros e reencontros, fracassos, conquistas e reconquistas, tudo num clima de comédia romântica bastante conhecido pelos ocidentais,  mas sem esquecer suas raízes no melodrama e nos romances bollywoodianos. Há inclusive um certo tom novelesco presente na narrativa.

Vamos a uma rápida passagem sobre essas doze (ou treze) vidas apresentadas aqui:

- Rahul (Salman Khan) é um misterioso homem que aparece para alavancar a carreira da atriz em ascenção Kamini (Pryianka Chopra). Por um preço, claro. Qual segredo ele esconde e como a fútil e ambiciosa mulher lidará com sua presença?


Rahul (Salman Khan) e Kamini (Pryianka Chopra)
Fonte: Santabanta

- Raju (Govinda) é um taxista em Nova Délhi cujo maior sonho é encontrar o amor de uma estrangeira, algo possível de acontecer quando conhece Stephanie (Shannon Esra), uma canadense em busca de seu namorado indiano que a deixou para se casar com uma conterrânea.

- Vinay (Anil Kapoor) é casado há anos com Seema (Juhi Chawla) com quem tem filhos e uma rotina massacrante. A família vive em Londres e tudo começa a mudar quando conhece outra indiana no metrô, a jovem Anjali (Anjana Sukhani), com quem começa uma amizade de rumos perigosos para seu casamento.

- A irmã de Seema, Gia (Ayesha Takia) está às voltas de seu casamento com Shiven (Akshayer Khanna), mas o rapaz, um bon vivant assumido, está cheio de dúvidas sobre as responsabilidades do matrimônio. Sem coragem para romper o noivado, ele começa a bolar planos para fazer a moça o deixar.


Shiven (Akshayer Khanna) e Gia (Ayesha Takia)
Fonte: Santabanta

- Ashutosh (John Abraham) e Tehzeeb (Vidya Balam) são um casal jovem e feliz até ela sofrer um acidente de trem e perder totalmente a memória regressa de seu casamento com ele ao sair do coma.

- Por fim, Ramdayal (Sohail Khan) e Phoolwati (Isha Koppikar) estão recém casados e tentam, de forma cômica (nem tanto, mas mais sobre isso abaixo), consumar o matrimônio sem sucesso em diversas situações ao longo do filme.

"Seis diferentes casais, doze diferentes vidas, um problema em comum. AMOR."
De cima para baixo, da esquerda para direita: Raju (Govinda) e Stephanie (Shannon Esra), Ramdayal (Sohail Khan) e Phoolwati (Isha Koppikar), Rahul (Salman Khan) e Kamini (Pryianka Chopra), Shiven  (Akshayer Khanna) e Gia (Ayesha Takia), Vinay (Anil Kapoor) e Seema (Juhi Chawla), Ashutosh (John Abrahams) e Tehzeeb (Vidya Balam).

Fonte: Site oficial

Estas 6 histórias são justamente o ponto alto e o fraco do filme: elas infelizmente, carecem de uma hegemonia de qualidade. Partindo das melhores para as mais fracas abaixo.

O ponto alto fica com o drama de Vinay e Seema. Vivendo a realidade de muitos casais pelo mundo, ambos tem uma vida estável financeiramente, mas o amor já esfriou e cedeu lugar à rotina de trabalho, casa e filhos. O perigo vem na pessoa de Anjali, uma garota que desperta novamente em Vinay perspectivas estacionadas pelos anos casado, não apenas a atração sexual. Só esta trama embalada pela atuação de Anil Kapoor e Juhi Chawla já vale a sua sessão. Existe uma sutileza incrível do diretor nas cenas envolvendo Vinay com as duas mulheres: quando ele está ao lado de Seema tudo é mostrado azul e frio, mas quando se encontra com Anjali, a imagem fica saturada de cores quentes refletindo seu próprio inconsciente e desejos. Como o cinema oriental costuma ser muito diferente do daqui em quesitos morais, há uma poderosa lição no fim desta história.


Vinay (Anil Kapoor), Seema (Juhi Chawla, ao fundo) e Anjali (Anjana Sukhani)
Fonte: Santabanta
Em segundo lugar, vem Raju, o taxista, e sua bela cliente canadense. De todas, esta história tem a visão mais romântica do amor: o homem se apaixona à primeira vista pela mulher e existe um clima de determinismo kármico no encontro dos dois, algo presente na cultura indiana. Mesmo sem falarem a língua um do outro, ambos embarcam num pequeno e próprio road movie enquanto rodam pelos arrodores de Nova Délhi tentando localizar o namorado de Stephanie sem ela sequer suspeitar ter conquistado o coração de Raju.

A história de Shiven e Gia cumpre o trabalho fracassado daquela de Ramdayal e Phoolwati (de novo, mais a seguir): entreter o público. É a parte cômica que funciona mesmo no filme. Apesar de uma natural guinada séria no final, as paripécias do rapaz para fazer a noiva romper o noivado acabam se mostrando um drama tragicômico com bastante ternura.

Por fim, a parte mais dramática, o melodrama indiano tradicional, fica com o casal de John Abrahams e Vidya Balam. Ashutosh é hindu e Tehzeeb é muçulmana. Apesar de desconhecido para a cultura brasileira, uma união dessas é muito problemática nas sociedades indianas e paquistanesas em especial. Porém os dois, mesmo vencendo o preconceito inicial de suas famílias, tem uma segunda armadilha pela frente quando a garota sofre um grave acidente, entra em coma e, ao sair dele, perde a memória regressa ao lado do marido. A vida do rapaz então se torna uma missão desesperada para fazê-la recordar-se dele e do amor de ambos.

Uma das cenas mais tocantes é justamente quando, numa tentativa de fazer Tehzeeb reaver suas recordações, Ashutosh a leva para a casa dos pais dele. Sua mãe, como tantas fariam, aceitou a escolha do filho no passado, mas seu pai o renegou e se ainda recusa a reconhecer sua união com a garota muçulmana. É quando Ashutosh lhe diz que seu amor não está conseguindo trazer Tehzeeb de volta para ele, então veio ver pai na esperança do ódio dele talvez conseguir.


Ashutosh (John Abrahams) e Tehzeeb (Vidya Balam)
Fonte: Santabanta

O filme tem dois problemas e um deles é justamente com a trama envolvendo os dois atores principais, Khan (Rahul) e Chopra (Kamini). Apesar de ter alguns momentos de humor, ela é bastante maçante na maior parte do tempo, carece de empolgação e as números musicais/canções envolvendo ambos são, na maioria esmagadora, desinteressantes. Os dois não tem muito o que fazer com seus personagens cuja trajetória parece sempre forçada.

O resultado final é apenas mediano diante de quase todas as demais, salvo uma: o casal Ramdayal e Phoolwati, de longe a maior falha da produção. Além deles jamais se encontrarem com os outros personagens, sendo aliás a única trama a jamais interagir com as demais de alguma forma, os momentos de comédia são constrangedores e nada acrescentam ao longa, até pelo fato do quesito humor já ser devidamente cumprido com maestria pelo personagem de Khanna (Shiven), este sim um ladrão de cena e um ótimo comediante. Ambos passam todo o tempo de projeção tentando fazer sexo sempre terminando em situações absurdas e responsáveis por entediar de forma desnecessária o espectador, quebrando inclusive o ritmo da narrativa de outras histórias.

Apesar de desconhecido para a maioria dos brasileiros, o elenco do filme é bastante estelar na Índia a começar pelos protagonistas, Salman Khan (Rahul) e Pryianka Chopra, ex-Miss Mundo 2000[1] (Kamini). Anil Kappor (Vinay) talvez seja o único rosto conhecido por uma grande audiência no Brasil por ter participado de Quem Quer Ser Um Milionário?. John Abrahams tem uma atuação irregular como Ashutosh, fazendo o tipo canastrão simpático. O elenco feminino é absurdamente lindo, como típico das produções indianas. Juhi Chawla faz uma Seema sensível e incrivelmente doce. Anjana Sukhani dá a Anjali um ar sensual de lolita, mas consegue conferir a ela sentimentos sinceros por Vinay. Vidya Balam se sai bem num dos papéis mais sutis de todos: cabe a ela representar Tehzeeb antes do acidente, jovial e apaixonada, e depois, como uma pessoa amargurada por ter esquecido a parte mais importante de sua vida. O Raju de Govinda e a Stephanie de Shannon Esra formam o casal mais improvável do filme devido aos claros abismos culturais entre eles e, talvez por isso, tornem-se tão encantadores. O Ramdayal de Sohail Khan e a Phoolwati de Isha Koppikar estão novamente no fundo do ranking: péssimos, caricatos e dispensáveis, eles são elo fraco de uma corrente sólida, assim como as rápidas cenas onde o filho de Vinay e Seema tem falas, péssima escolha de ator-mirim.

As músicas e números musicais do filme são na maioria agradáveis, embora uma ou outra sejam fracas e aqui cabe uma curiosidade:  talvez uma parte da audiência no Brasil conheça a música principal do filme, também chamada de Salaam-E-Ishq. Em 2009, ela foi trilha de uma novela da Rede Globo, Caminho das Índias. Confira abaixo a sequência dela no longa.


No placar geral, então, temos 4 boas histórias contra 1 fraca e 1 medíocre, uma maioria de bons atores em meio a poucos regulares e uma minoria sofrível. O saldo é positivo sem dúvida e Salaam-E-Ishq se torna uma experiência recomendável e prazerosa. Se você quer conhecer o moderno cinema indiano, a dica é começar por aqui. É um filme incrivelmente divertido, tenro e trágico, tal como amar.

Infelizmente, filmes indianos tem uma entrada ainda menor do que outras produções asiáticas em nosso mercado. Salaam-E-Ishq nunca foi lançado em dvd ou blu-ray no Brasil. Cinema, nem pensar. Se você tem interesse, é possível adquirir pelo Ebay.

Fonte:
[1]Pryianka Chopra <http://en.wikipedia.org/wiki/Priyanka_Chopra> Acesso em 24 de maio de 2015O

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Formado em Design Gráfico pela UEMG, apaixonado por História, Sociologia, Literatura, Filosofia, sociedades orientais, culturas antigas e cinema asiático.

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