Esta resenha é dividia em duas partes. A primeira não tem spoilers, ou seja, não possui detalhes sobre a trama ou segredos envolvendo seus personagens e pode ser lida por qualquer pessoa buscando apenas impressões e críticas sobre o filme antes de ir assisti-lo. A segunda parte é antecedida por um aviso e é uma análise profunda e detalhada da produção com spoilers. Evite-a se ainda não viu O Despertar da Força.
Enfim, O Despertar da Força, sétimo capítulo da cinesérie de Star Wars, chega aos cinemas. Sua história teve início bem antes da compra da franquia pela Disney: George Lucas, o idealizador da série, já estava trabalhando num tratamento do roteiro para uma nova trilogia como forma de aumentar o valor de venda da propriedade intelectual. Após a aquisição, a Disney descartou as ideias dele e resolveu seguir com suas próprias, entregando o leme para o diretor e roteirista J. J. Abrams e o resultado está agora em cinemas espalhados por todo planeta. A grande questão é: eles acertaram?
Do ponto de vista técnico, O Despertar da Força é um filme impecável: atores, direção, produção, direção de arte e fotografia são todos acima da média, algo justificável, em parte, pelos milhões gastos em sua realização. Um dos pontos que mais gerará familiaridade aos fãs antigos é a similaridade visual entre ele a trilogia clássica (1977-1983): veículos, naves e figurinos ressoam muito mais com os episódios IV, V e VI do que com aquilo apresentado nos I, II e III. O lado ruim é a absoluta falta de originalidade em retratar o planeta Jakku, o qual na verdade poderia muito bem ter se chamado Tatoonine sem problema algum para o roteiro.
Os 4 novos personagens principais são, cada um a sua forma, brilhantes e cheios de potencial. O humor de Finn (John Boyega), a determinação de Rey (Daisy Ridley), a coragem de Poe (Oscar Isaac), a tragédia de Kylo Ren (Adam Driver) e a simpatia de BB-8 dão o tom do filme. Todos são carismáticos e tem tudo para ocupar no imaginário pop seus lugares de direito ao lado de Yoda, Luke, Darth Vader, Han, Cewbacca, Leia e companhia. Apesar do pouco tempo de tela, a parceria entre Finn e Poe funciona até melhor do que aquela entre Finn e Rey e não deixou de me remeter a Máquina Mortífera.
Porém, enquanto Finn é um personagem divertido e único dentro do universo de Star Wars, um ex-stormtrooper, existe um excesso de momentos cômicos com ele. Boyega se mostra um grande ator, pois não perde hora alguma o timing de qualquer piada ou gag, mas a quantidade delas poderia ser menor para a saúde moral do filme e de seu próprio herói o qual acaba assumindo, ao fim da projeção, um ar paspalhão desnecessário.
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Finn (John Boyega) empunha um sabre de luz. |
Os personagens clássicos estão de volta e a grande estrela entre eles é Han Solo (Harrison Ford). Este é o primeiro filme dos 3 estrelados por ele até então o qual podemos chamar de seu. Ele cumpre a ponte e o papel ocupado por Obi-Wan no episódio IV. Este é um Han amadurecido e mais sofrido, mas não menos heroico ou trapaceiro. Apesar de emotivas, suas cenas com Leia (Carrie Fisher) soam um pouco forçadas nos diálogos, mas isso nem de longe chega perto da descaracterização sofrida por outro personagem clássico sobre a qual falarei mais na parte de spoilers.
O ritmo do filme faz parte, junto com os atores, dos acertos irretocáveis do longa. Não existe um momento chato durante a projeção. Estamos sempre participando de alguma batalha ou descobrindo algo significativo sobre algum personagens. Junto a O Império Contra-Ataca e Vingança dos Sith, é um dos filmes com ritmo mais acertado de toda a série.
Por outro lado, a lista de problema é igualmente estelar. Começando pelo básico: os nomes de grande parte dos personagens novos são absolutamente péssimos. Hux, Phasma, Kylo Ren, Snoke... Existe um mito entre os leigos e fãs menos atentos de Star Wars de que os nomes na franquia não fazem o menor sentido. Alguns sites tem até "geradores de nomes Star Wars" funcionando através de combinações absurdas. A verdade, porém, é bem diferente: todos eles tem alguma relação com seus personagens e suas origens vão desde o japonês até o sânscrito. Existem, sim, nomes simplórios como o do mercenário Greedo (greed é ganância, avareza em inglês), mas outros como Yoda, Kenobi, Padme, Han Solo e até Luke Skywalker guardam grandes curiosidades sobre suas origens e seus donos.
Infelizmente, J. J. Abrams e seus colaboradores parecem fazer parte do time de pessoas que desconhece totalmente isso e podem muito bem ter usado os tais geradores de nomes Star Wars pra nomear seus personagens. "Hux" e "Phasma" até passam por refugos de um filme B de ficção científica, mas "Kylo Ren" parece nome de uma atriz pornô do leste europeu. O problema maior neste quesito é o do supremo líder da Primeira Ordem, Snoke, uma palavra cuja sonoridade em inglês é horrível e remete a ou smoke (fumaça), ou snork (respirador de mergulho) e snork levou este velho jedi aqui a se lembrar dos snorkes.
Outro ponto negativo, na verdade uma grande decepção, são os duelos de sabre-de-luz ou com sabre-de-luz. Nenhum deles empolga em sua coreografia apesar do último ter um começo emocionante. Os combates incríveis da prequela (I, II e III) podem ter nos mau acostumado, mas se quiser ter uma ideia do tédio aqui presente, imagine o duelo entre Obi-Wan e Darth Vader em episódio 4 em cenários diferentes, com alguns movimentos a mais e repetidos 3x durante o filme. Emocionou você? Nem a mim.
Assim como nos outros 6 filmes, este novo episódio tem personagens interessantes com pouco tempo em cena. Tal como Darth Maul, general Grievous e outros, Hux, Phasma e o próprio Poe Dameron cativam pelo interesse, mas acabam tendo uma participação pequena e até frustrante em tela.
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Poe Dameron (Oscar Isaac), um dos pilotos da resistência. |
O roteiro também envereda menos nas questões políticas e alguns podem perder o cenário atual no qual a galáxia se encontra.
Mas todos estes detalhes seriam irrelevantes se o grande problema de O Despertar da Força não fosse a mediocridade de seu roteiro: os 2/3 iniciais da trama são uma refilmagem do episódio IV, Uma Nova Esperança, enquanto os 1/3 finais são de O Retorno de Jedi. A cultura pop é a da releitura e da referência e Star Wars é um de seus maiores expoentes, mas o que ocorre aqui beira o pastiche. É uma sucessão de situações repetidas traçando paralelos desnecessários entre a jornada dos novos personagens com os da trilogia clássica. Por um lado, isto foi feito de forma intencional para criar uma zona de conforto inconsciente na audiência (ela já viu e gostou daquela trama antes), por outro, gera um produto final bem menos relevante para a grande história contada até então.
Na verdade, sendo um produto de J. J. Abrams isso deveria ser esperado: vindo da TV, sua especialidade é um texto repleto de referências e com forte ênfase no desenvolvido de personagens e, neste dois pontos, O Despertar da Força transborda. O surpreendente é ver Lawrence Kasdan, responsável pelo roteiro de O Império Contra-Ataca (também participou de O Retorno de Jedi) e colaborador de Abrams no argumento deste filme, cair nestas armadilhas repletas de lugares comuns à série. Pode-se fazer a crítica que quiser à nova trilogia, mas todos continham uma história própria.
O golpe final é o fato das melhores ideias apresentadas durante o longa são todas advindas do material produzido entre os anos 90 e 2010 para o chamado Universo Expandido, o conjunto de livros, revistas em quadrinhos e games produzidos sob licença de George Lucas e da Lucasfilm com seus personagens. Estes elementos são os únicos que realmente funcionam no filme e adicionam alguma originalidade à história, ou seria melhor dizer à refilmagem.
CONCLUSÃO
O filme é extremamente divertido e vai agradar a grande audiência e fãs menos exigentes ou atentos da franquia. É uma colagem dos episódios IV e VI com vários personagens carismáticos novos, ainda que descaracterize alguns antigos. Propositalmente em algumas horas, sem intenção em outras, ele é repleto de pontas soltas e se sustenta em grande parte no apelo nostálgico dos elementos dos quais faz uma refilmagem. Ou seja, O Despertar da Força funciona muito bem como uma produção isolada, mas quando posta ao lado dos outros 6 filmes, perde-se numa sucessão de clichês e eventos já mostrados na jornada de Luke durante os episódios IV, V e VI.
É um filme da Disney, engessado em suas receitas de longas para todas as idades e todas as famílias: muito humor, muita ação, personagens coloridos embalados por uma história não tão brilhante. Vale seu ingresso e a curiosidade para ver por onde levarão os próximos episódios.
SPOILERS!
CONTINUE LENDO SE JÁ ASSISTIU OU NÃO SE IMPORTA EM SABER DETALHES IMPORTANTES DA TRAMA.
Star Wars sempre foi um filme sobre tragédias familiares e O Despertar da Força continua este princípio. Aqui, ela se transfere dos Skywalker para os Solo. O filho de Han e Leia, Ben, foi convertido para o lado negro por um personagem obscuro conhecido como Snoke e se tornou o líder do grupo chamado de cavaleiros de Ren, adotando o nome de Kylo Ren.
Ben era aluno de seu tio, Luke Skywalker, agora um mestre jedi completo, assim como outros aprendizes padawans na nova ordem jedi reiniciada por ele. Ao ir para o lado negro, o rapaz, junto a outros cavaleiros de Ren, exterminou os demais alunos. Desiludido, Luke se exilou e, neste meio tempo, os remanescente do império se organizam numa força chamada de Primeira Ordem sob o comando do próprio Snoke. Tanto ele quanto Leia, agora uma general da nova república, buscam desesperadoramente encontrar Luke: o primeiro para destruir o último jedi; a segunda, para contar com sua ajuda para derrotar os imperialistas.
Kylo Ren é, de longe, um dos maiores acertos do roteiro e aqui as palmas também vão para seu intérprete, Adam Driver. Apesar de ser inicialmente uma cópia do personagem Jacen Solo quem, nos livros e revistas, é o filho mais velho de Han e Leia que se volta ao lado negro assumindo o título sith de Darth Caedus, Abrams e Kasdan acertam num ponto importantíssimo: diferente de outros personagens de Star Wars (e até de outras franquias), Ben/Kylo é tentado pelo lado da luz! Vemos durante o longa seu esforço conciso em se tornar uma pessoa má ao ponto de desembocarmos no segundo maior momento do filme: a morte de Han Solo, seu pai.
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Kylo Ren (Adam Driver). |
Como apontei na parte sem spoilers, este é um Han Solo amadurecido. Diferente do mercenário descrente de Uma Nova Esperança, este Han viveu e viu o bastante da Força para acreditar nela, culminando na corrupção de seu filho para o ladro negro. Ele é o primeiro a dizer a Finn e Rey que a Força é real, assim como seu lado sombrio.
Os roteiristas tomam uma corajosa decisão ao matarem Han Solo pelas mãos de seu filho. Kylo assassina o pai pois sabe que, apesar de todo mal que fez até ali, seu parricídio o colocaria definitivamente, ou ao menos ele pensa assim, num caminho sem volta para a luz. É um momento triste e trágico que sem dúvida entrará para sempre na mitologia da série, mas por outro lado, um tanto previsível se acompanhamos com atenção o diálogo dos dois.
Luke Skywalker, por outro lado, é o personagem mais descaracterizado do filme. Só isto pode render outro artigo completo aqui no Ideia Seletiva (e provavelmente renderá), mas por hora basta dizer que, apesar de seu tempo mínimo em tela, as informações disponíveis sobre este Luke entram em conflito direto com aquilo mostrado nos episódios IV, V e VI: diferente daquele personagem, este é capaz de virar as costas a sua família, seus amigos, deixar ser assombrado por suas falhas e falta de confiança em si mesmo. A única razão para ele ter sido representado assim foi porque esta era a história que J. J. Abrams queria contar, da mesma forma como ele distorceu o comportamento de Spock a ponto de fazê-lo ter um caso com Uhura em seu Star Trek.
E falando em Luke, já citei o segundo maior momento do filme, a morte de Han, mas qual o primeiro? Simples: a cena final, o encontro entre Rey e o velho mestre jedi. É de longe uma das sequências mais emocionantes de todos os 7 filmes, estragada apenas pela tomada aérea de helicóptero. Aqui abro parêntese para dizer que, pessoalmente, foi o único momento em todo filme, no qual voltei a ter meus 7, 8 anos de idade. Luke e Rey não trocam uma palavra sequer, é tudo mostrado pelos olhos: a emoção dela de estar diante de uma lenda viva e a dele, carregada de dor e sofrimento. Vou rever meus conceitos sobre Mark Hammil como ator dali por diante. Não que eu o considerasse ruim ou fraco, mas nunca tinha visto um alcance de interpretação tão grande nele antes (não, trabalho como dublador do Coringa não tem nada a ver com isso).
E aqui cabe entrar na questão do filme ser uma grande refilmagem de Uma Nova Esperança com O Retorno de Jedi: a jornada de Rey é a jornada de Luke. Ambos foram deixados em um planeta deserto quando crianças, encontram um droid com uma informação valiosa para a rebelião/resistência, resolvem entrega-lo, conhecem Han Solo no caminho, são abordados pelo império/Primeira Ordem, fogem. Neste ponto, o filme se torna o episódio VI: a ação de divide entre um grupo em terra tentando destruir o gerador da nova superarma da Primeira Ordem, a estação Starkiller a qual, num atestado de mediocridade incrível dos roteiristas, é uma estrela da morte adubada, enquanto um esquadrão de naves trava uma batalha no espaço. Paralelamente, ocorre o confronto físico e emocional entre Luke/Vader/Palpatine ou Rey/Kylo/Han, apenas com um desfecho trágico agora.
Por fim, o deslize final se dá em utilizar outra estrela da morte. Sim, a terceira (!). Ela agora se chama "estação Starkiller" e é bem maior do que os modelos vistos em Uma Nova Esperança e O Retorno de Jedi, mas isso não impediu os imperialistas de continuarem cometendo os mesmos erros de projeto e logística com suas superarmas: eles insistem em fazê-las protegidas por campos de forças facilmente tomáveis por qualquer grupo pequeno de dissidentes insatisfeitos. Pior ainda é ver a forma pífia e sem qualquer emoção com a qual ela é destruída.
Narrativamente falando, os roteiristas não se preocuparam em mostrar um cenário diferente, apenas trazer de volta o status quo de antes de Uma Nova Esperança e uma das grandes falhas do filme neste processo é tornar o universo de Star Wars mais cínico. O Retorno de Jedi mostra o final feliz de um conto de fadas. O Despertar da Força nos diz que aquele fim não foi nada feliz na verdade: o casamento de Han e Leia foi destroçado pela perda do filho para o lado negro, a nova ordem jedi de Luke foi dizimada levando ao seu exílio e, deste ponto em diante, a ameaça de Snoke se cristalizou na Primeira Ordem. Tudo isto apenas reflete a sociedade onde vivemos onde a realidade mostrada nas mídias de entretenimento é bem mais cinza do que aquela dos anos 80 onde o cinema buscava encantar ao vez de deslumbrar.
A verdadeira apreciação de O Despertar da Força será, ao menos por agora, nublada não pelo lado negro, mas por duas noções equivocadas: uma, a de que George Lucas estragou a série com os episódios I, II e III e a segunda de que J. J. Abrams e a Disney são alguns dos melhores expoentes em atividade no mundo do entretenimento. Eles simplesmente não são.
Resta esperar que, passando o frisson inicial, ocorra o mesmo que houve com A Ameaça Fantasma: os fãs, afinal são eles e não a grande audiência quem continuarão abastecendo a franquia ao comprarem livros, revistas, brinquedos etc, coloquem objetividade em suas críticas e vejam que O Despertar da Força é um filme bastante divertido e bem feito, mas se mostra bastante irrelevante para a franquia quando posto ao lado dos demais e sua maior falhar é não avançar em nada a história das famílias Skywalker e Solo, mas estagnar ambas num ciclo, até o momento, tedioso em termos de narrativa. Ainda há uma esperança, ou melhor, duas: os episódios VII e IX.
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