Podemos analisar a questão levando em conta tanto o atual cânone reconhecido pela Disney quanto considerando os acertos do antigo universo expandido hoje descontinuado, mas antes de recorrer a derivados e material licenciado, vamos olhar para os 6 filmes anteriores.
Somos apresentados à arma junto com Luke Skywalker no episódio IV, Uma Nova Esperança, quando Ben Kenobi lhe dá o sabre de seu pai.
Obi-Wan Kenobi é categórico ao dizer a ele que "é a arma de um cavaleiro jedi". Não de um contrabandista, nem de um militar, mas de um jedi. É uma arma única, exótica, pitoresca. Não é algo que se vê qualquer pessoa usando (mais sobre isso abaixo). Neste filme especificamente, apenas 3 pessoas aparecem com uma: o próprio Kenobi, Luke Skywalker e Darth Vader.
Luke hora alguma luta com um sabre no episódio IV tampouco: ele ativa o seu na cena acima e depois aparece treinando com uma esfera. Kenobi é enfático com ele ao ensinar que o rapaz deve utilizar a Força para manejar bem a arma e tirar proveito dela para antecipar os disparos.
Ainda na fase conceitual do filme, Ralph McQuarrie, o designer responsável por dar forma às ideias de George Lucas, chegou a propor que os stormtroopers utilizassem os sabres-de-luz e até Han Solo chegou a aparecer em algumas artes conceituais com um na mão, mas no fim chegou-se ao consenso de que apenas os jedi e os sith (embora este título não apareça no episódio IV, ele é citado na novelização) usariam estas armas.
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Uma arte conceitual de Star Wars. |
Em todos os demais 5 filmes, indo do episódio 1 ao 6, apenas dois indivíduos que não são nem jedi nem sith usam sabres: Han Solo e o general Grievous. Solo na verdade apenas abre um animal com ele. Convenhamos que isto é algo banal e não requer nenhuma habilidade sobre-humana.
Grievous por outro lado luta contra um dos mais habilidosos espadachins daquele período: o general jedi Obi-Wan Kenobi. Ele é categórico ao dizer que foi "ensinado nas artes jedi pelo conde Dooku" ao encontrar Kenobi em A Vingança dos Sith.
Até aqui, Grievous era um ciborgue. Seus braços podiam se dividir em dois, tornando-o capaz de utilizar simultaneamente 4 sabres, algo sem dúvida assombroso, mas apenas possível por causa de sua interface cibernética. Ou seja, Grievous era mais máquina do que alienígena, ele era capaz de uma coordenação e reflexos sobrenaturais não pelo uso da Força, mas da tecnologia.
A Força era um diferencial enorme na esgrima com sabres-de-luz pois os jedi, sith e demais usuários dela eram capazes de utilizar seus reflexos sobrenaturais no manejo destas armas. Todos os filmes, séries animadas, quadrinhos e livros até aquele ponto (hoje parte do antigo e descontinuado universo expandido) foram categóricos ao mostrar em 99,9% dos casos usuários da Força duelando ou em algum combate com eles. Uma das raras exceções foi justamente o general Grievous.
O uso do sabre era algo tão conectado à habilidade com a Força que, em A Guerra dos Clones, o mesmo conde Dooku diz a Yoda que o confronto deles não poderia ser decidido pelo conhecimento sobre ela, mas pelas suas habilidades com o sabre de luz. A interação do jedi/sith com o sabre era a expressão máxima da união deles com a Força.
Vamos agora entrar no universo expandido hoje descontinuado pela Disney. Até ali, utilizar os sabres de luz era algo complexo e denotava, além de tempo e treino, um reflexo excepcional do usuário. Por esta razão, raros sencientes (seres de toda espécie inteligente e ciente de si, como o homo sapiens sapien, nós) eram capazes de utilizar como arma um sabre de luz. Ativar um sabre e usá-lo como Solo é uma coisa, lutar com ele é algo totalmente diferente. Este conceito foi tirado direto dos filmes apenas pelos fatos expostos e mostrados acima e este postulado foi respeitado.
Um dos maiores acertos nesse sentido foi o rpg lançado pela Wizards of the Coast nos anos 2000 usando o sistema de regras chamado d20. Ali, habilidades específicas, os talentos (feats), eram escolhidos pelo jogador quando elaborava o personagem e quando este subia de nível. Alguns talentos eram ganhos de forma automática dependendo da classe, a profissão escolhida por cada um. Havia armas categorizadas como comuns, marciais e exóticas, categoria na qual entravam os sabres-de-luz.
Pois bem, aqui entra o bom senso dos designers do jogo: jedi e sith, ambas consideradas como classes, ganhavam o talento de arma exótica para sabres de luz logo no começo de forma automática. Se alguém de outra classe quisesse usar um sabre, teria de "gastar" um ponto de talento para "comprar" esta habilidade. Assim, eles asseguravam a unicidade dessas armas e como utilizar uma não era algo simples.
Outro ponto interessante levantado pelo antigo universo expandido e aparentemente mantido no atual cânone da Disney é o fato dos sabres-de-luz serem armas artesanais. Eles não eram fabricados por indústrias como os blasters, as armas de raio, mas sim pelos jedi e sith como parte de seus treinamentos. Isto é citado em várias obras, mas também em O Retorno de Jedi quando Luke se encontra com Vader e este afirma que as habilidades do filho estavam completas por ter confeccionado seu próprio sabre.
Ainda se tratando do antigo universo expandido, temos como curiosidade duas cenas de construção de sabres-de-luz. A primeira é no game Star Wars - The Old Republic.
Por fim, vejam como a série animada de Clone Wars mostrou o processo de forma idêntica. Acompanhe a partir dos 00:56.
Isto é para ilustrar a afirmação acima sobre a unicidade dos sabres: eram armas raras, exóticas, vistas na maioria esmagadora das vezes nas mãos de usuários da Força, especialmente os jedi, pois os sith passaram a ser uma ordem reclusa. Assim sendo, as técnicas de uso deles eram algo extremamente limitado a poucos indivíduos.
Houve não-usuários da Força capazes de usar sabres-de-luz no antigo universo expandido? Sim. Na série da Marvel (1977-1986), há pelo menos um personagem que usa a arma, mas estas histórias já não eram consideradas partes oficiais do antigo cânone.
De toda forma, segundo o novo cânone da Disney, devemos levar em conta a princípio apenas os 6 filmes e as séries Clone Wars e Rebels. Hoje já temos alguns livros e quadrinhos e, seguindo estas fontes, em todos os momentos vemos que o uso de um sabre de luz requer preparo: Luke, por exemplo, leva 3 anos para ter um confronto real com Darth Vader. Na série Rebels, o herói Kanan nunca passou do nível de padawan quando a ordem jedi foi destruída e, apesar de ter tido um treinamento avançado com o sabre-de-luz, tem uma grande dificuldade ao vencer o inquisidor, um espadachim experiente e com uso preciso do lado negro da Força em suas habilidades com um sabre, quando os dois se encontram pela primeira vez.
O jovem padawan de Kanan passa treinamento parecido com o de Luke antes de tentar enfrentar o inquisidor ao lado de seu mestre no terceiro confronto entre eles e é derrotado num piscar de olhos. Enfim, mesmo em seu material expandido, a Disney se manteve coerente em quem pode ou não utilizar um sabre-de-luz e como. Ser padawan ou jedi não basta. Isto é, até o episódio VII chegar aos cinemas.
O problema é que em O DESPERTAR DA FORÇA, Finn, Rey e o diretor/roteirista J. J. Abrams jogam tudo por terra. Finn não é um sensitivo à Força, não há qualquer menção disso no filme, mas ele simplesmente utiliza o sabre e luta contra outro stormtrooper. Depois, a situação fica ainda mais absurda quando ele é capaz de lutar de igual para igual, ao menos por um tempo, com Kylo Ren, este sim um usuário da Força treinado desde criança e um espadachim completo.
Finn é derrotado, mas não antes de se sair muito bem, obrigado, em segurar um oponente que deveria ter feito pedaços dele. Aí entra em campo Rey, outra usuária da Força, mas que nunca tinha sequer ativado um sabre antes. Ela pega a arma e derrota Ren. Simples. Na verdade, podem ser tecidas várias críticas à forma como o roteiro desenvolve a personagem e sua conexão com a Força de forma irreal mesmo dentro dos padrões estabelecidos pelos filme.
Aqui, cabe apontar um detalhe importante: ficamos sabendo que Kylo Ren, ou Ben Solo, também não passou do grau de padawan. Como? Snoke diz a Hux claramente para trazer Kylo até ele para terminar seu treinamento. De toda forma, o nível de habilidade do vilão estava consideravelmente à frente de qualquer domínio com sabre de luz que Finn ou Rey pudessem ter e absolutamente nada justifica o desempenho dos dois nos duelos.
Mas estas são as contradições aparentes do filme. O problema real passa por uma falha narrativa: a única razão de Finn usar o sabre até o final é guardar para o desfecho a surpresa do momento onde Rey clama para si a arma e confronta Kylo. Foi a forma encontrada pelos roteiristas de mostra alguém com sabre-de-luz em ação durante o longa-metragem (e nos teasers, trailers, spots, cartazes etc, enfim, nos materiais de divulgação) até a protagonista resolver derrotar o vilão, mas neste processo, eles acabaram diminuindo e até mesmo rebaixando a magia em torno de uma das armas mais famosas do cinema, um objeto sempre envolto em mistério e poder, banalizando seu uso de forma trivial.
As portas foram abertas. Agora, os sabres-de-luz são armas cujo manejo cabe a qualquer um, de soldados a catadoras de lixo. Só depende das necessidades do momento, ou melhor, dos roteiristas.
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