[CINEMA] CAPITÃO AMÉRICA: GUERRA CIVIL

Quando postei meu review sobre o segundo filme do Sentinela da Liberdade, Capitão América - O Soldado Invernal (aqui), comecei apontando dois quesitos. O primeiro era o problema envolvendo sequências, produções as quais deveriam ser maiores e melhores que seus antecessores, mas que geralmente acabam transitando na órbita ou da mediocridade, ou do "mais do mesmo". Em segundo, como O Soldado Invernal era o melhor filme da Marvel até então.

Com o terceiro filme do Capitão América, subtitulado Guerra Civil, é preciso rever as duas assertativas: infelizmente ele não consegue superar o antecessor, O Soldado Invernal, e, diferente do alardeado por alguns sites e deslumbrados, não ocupa o posto de melhor filme da Marvel, pertencendo este ainda ao já mencionado anterior, mas ele vem centímetros logo atrás. Por outro lado, ele passa longe, milhas longe, de ser medíocre, possuindo tantos acertos em tantos níveis que considerá-lo algo menos que excelente seria uma injustiça. Onde o segundo ganha por sua trama mais madura e um roteiro mais intrigante, este ganha em diversão e surpresas, ousando até a levar seus heróis e a relação entre eles a outros patamares.

Fonte: Collider

Um de meus maiores receios pessoais com o filme era tornarem-no numa espécie de Vingadores 2.5 e isso porque 1) a escolha para seu roteiro envolvia a adaptação de uma trama dos quadrinhos de mesmo nome, Guerra Civil, onde havia vários heróis de peso fora o Capitão, incluindo o ainda queridinho Homem-de-Ferro de Roberto Downey Jr. e 2) a história exigiria muito tempo de tela desses personagens. Para completar um cenário preocupante onde o protagonista viraria coadjuvante em seu próprio longa-metragem, veio a posterior confirmação de que ninguém menos que o Homem-Aranha faria sua estréia no universo cinematográfico da Marvel aqui. Quais chances o Capitão teria?

Porém, mais uma vez, assim como em O Soldado Invernal, os roteiristas Christopher Marku e Stephen McFeely ao lado dos irmãos Russo, responsáveis pela direção, conseguiram entregar uma história sólida e enxuta centrada em torno do Capitão América e onde ele é o astro, ainda que dê o tempo em cena certo para cada um dos coadjuvantes, algo digno de nota e aplauso num filme com tantos personagens.

Tal como o arco Guerra Civil o qual o filme adapta para as telas como dito acima, a trama lida com as divergências ideológicas entre o Capitão América/Steve Rogers (Chris Evans) e o Homem-de-Ferro/Tony Stark (Roberto Downey Jr.) a respeito de como regular a atuação de seres super-podersos: mesmo sendo um patriota, o Capitão discorda da posição do governo dos EUA e da ONU de colocar os Vingadores sob a coleira, regulando diretamente a atuação do grupo dentro e fora dos Estados Unidos enquanto seu colega de armadura defende exatamente isso.

A questão envolve mais tons de cinza do aparenta a princípio. Conforme o próprio herói diz em certo momento, a ONU pode enviá-los para fazer algo que eles discordem ideologicamente ou para um lugar onde não a população não os quer. Assim como em O Soldado Invernal, Guerra Civil discute liberdades individuais e coletivas, embora de uma forma mais juvenil e aventuresca, afastando-se um pouco do tom de thriller internacional. E tal como seu antecessor, ele evita de forma maravilhosa os lugares comuns e dicotômicos. Tanto Steve quanto Tony estão certos assim como, em alguns pontos, cada um da audiência pode considerá-los errados dependendo de seu ponto de vista.

Indiscutivelmente o ponto alto do filme é o roteiro simples, sim, mas bem direcionado e as espetaculares cenas de combates entre os heróis. Os diretores tem uma história com personagens para trabalhar, não apenas uma desculpa para efeitos especiais e vender bonecos e camisas. Segredos serão revelados, alianças, quebradas, lágrimas derramasdas e amizades, forjadas: Guerra Civil é uma grande história em quadrinhos passando diante de seus olhos, tudo pontuado por sequências incríveis e cheias de surpresas, mesmo durante as lutas. Aliás, é preciso dizer que pode-se ver aqui uma dos mais sensacionais combates das adaptações das HQs para o cinema ou TV. Prepare-se!

Chris Evans é o Capitão América. Robert Downey Jr. é mais uma vez um Tony Stark interessante desaparecido desde o primeiro Vingadores. Ambos dão o tom do filme pela incrível química em cena de ambos cuja amizade é disputada pela figura trágica do Bucky de Sebastian Stan. Todos os demais atores, excelentes em seus papéis, ajudam estes gigantes a engrandecer ainda mais a obra.


As estreias de Pantera Negra e Homem-Aranha disputam entre si o posto de mais incrível. O primeiro é um nobre e altruísta monarca que, finalmente, nos poupa de esterótipos hollywoodianos para personagens negros.

O Homem-Aranha, vivido aqui por Tom Holland, merece uma olhada mais cuidadosa pois ele já foi interpretado por dois atores nos últimos 15 anos. Alguns disseram que Holland era o melhor Peter Parker e o melhor Homem-Aranha do cinema até hoje. Vou educadamente declinar desta afirmativa e dizer que ele não faz nada significativamente diferente de Andrew Garfield, quem viveu o escalador de paredes em seus dois últimos longas, O Espetacular Homem-Aranha e O Espetacular Homem-Aranha 2.

É uma crítica negativa? De forma alguma, pois Andrew fez um trabalho fenomenal, porém o novato se destaca e muito em um detalhe bastante relevante: pela primeira vez no cinema, temos um adolescente vivendo o herói e, quando se vê os Vingadores alinhados para o combate entre si, isto fica evidente pela sua altura e constituição. No fim, o Homem-Aranha acaba ganhando uma verossimelhança maior em relação à sua contraparte dos quadrinhos do que em outras adaptações.


O ponto mais fraco fica por conta do Zemo de Daniel Brühl, nem tanto por sua atuação apenas regular e pelas motivações cartunescas, mas pelo fato de apresentar o personagem bastante descaracterizado de sua versão dos quadrinhos o que acaba enfraquecendo uma trama repleta de tantos acertos neste quesito. Podiam ter usado qualquer desconhecido ali, tal como fizeram com o papel vivido por Robert Redfort em O Soldado Invernal e não teria trazido nenhuma alteração para a trama, ainda poupando um antagonista tão importante quanto o barão de ser caracterizado de forma tão genérica e pueril. Pode-se apontar Zemo e suas maquinações como os responsáveis por Guerra Civil perder aqueles centímetros que faltava para chegar no nível de O Soldado Invernal e até ultrapassá-lo.

Não deixa de ser perturbador, olhando-se sob uma ótica puramente comercial, como a Marvel conseguiu trazer tanta qualidade para os 3 filmes de um personagem cuja aceitação passa por problemas até dentro do próprio país do qual ele, literalmente, veste as cores da bandeira, os Estados Unidos. Quem lê as histórias em quadrinhos do Capitão, sabe que elas mantém um certo padrão de qualidade ao longo das décadas, algumas até excedendo o geralmente satisfatório nível de suas tramas. Mas, tratando-se de cinema, a questão passa por outros quesitos tal como tornar o herói comercial e aceito pelo resto do mundo, permeado, muitas vezes, por uma visão e sentimento antiamericanos.


A Marvel, porém, está de parabéns pois conseguiu manter todos os traços da personalidade de Steve Rogers intactos, bem como os elementos-chave de sua origem em sua transposição para o cinema: patriótico, idealista, o combatente incansável, o soldado definitivo. Está tudo ali, sem alteração. Tampouco o herói foi tornado uma chacota (como visto no Cavaleiro Solitário de 2013) ou uma embrutecida versão sombria de si (O Homem de Aço, 2012).

Pode-se dizer que os 3 filmes do Capitão são, aliás, algumas das melhores adaptações dos quadrinhos para alguma mídia, seja animação, TV ou cinema. E souberam fazer isso tornando o personagem atraente para toda uma nova (e antiga) audiência que, há uns 10 anos atrás, não teria pago um ingresso para ver qualquer coisa estrelada unicamente por ele.

Por fim, é inevitável a comparação com Batman v Superman - A Origem da Justiça não só pelos dois filmes saírem no mesmo ano e com diferença de semanas entre si, mas por ambos lidarem com confrontos entre heróis motivados por diferenças ideológicas. Não há como equiparar os dois longas: enquanto o de Snyder é uma cacofonia arrogante e pretenciosa que se supõe mais séria e importante do que realmente é (ou se propunha a ser), Guerra Civil é uma sinfonia com um percusionista deslizando aqui e ali numa nota, mas que de forma alguma atrapalha a apreciação da grande audiência e, acima de tudo, não a ofende.

É um exemplo digno de diversão inteligente onde os espectadores realmente vivênciam do riso ao sofrimento e saem debatendo pontos profundos de uma experiência de fato gratificamente. Vá ver e leve todo mundo de sua família e amigos, deslumbrem-se vendo como o mundo dos heróis pode ser incrível, fascinante e igualmente triste.

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Formado em Design Gráfico pela UEMG, apaixonado por História, Sociologia, Literatura, Filosofia, sociedades orientais, culturas antigas e cinema asiático.

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