Assim, resolvi estender um pouco o assunto e mostrar os casos mais sérios - Conan, Peter Pan, Drácula e o próprio Tarzan -, apontando quais são essas distorções e apresentando estes personagens conforme seus respectivos autores os visionaram.
CONAN
Criado pelo texano Robert Erwin Howard, ou REH, em 1932, Conan é um personagem de livros pulp, literatura popular impressa no formato de revistas em papel de baixa qualidade e de grande circulação nos Estados Unidos entre final do século XIX e começo do século XX. A maioria de suas histórias existe na forma de contos, embora haja uma noveleta chamada "A Hora do Dragão".
![]() |
Jason Momoa caracterizado como Conan em arte promocional do filme de 2011. |
Apesar de vistas com certo preconceito na época, foi nas revistas pulp que autores como H. P. Lovecraft e Edgar Rice Burrroughs (autor de Tarzan e John Carter) apareceram. Infelizmente, apenas após a morte de alguns deles suas obras alçaram os céus do reconhecimento literário. Além disso, a literatura pulp influenciou seriamente o desenvolvimento posterior da forma de se fazer quadrinhos de super-heróis nos EUA e os seriados, primeiro para o cinema, depois para a TV.
Após a morte de REH em 1936, Conan e suas demais criações entraram num tipo de limbo do esquecimento. Isto foi até os anos 70 quando a Marvel resolveu produzir quadrinhos com os personagens de Howard e começaram, de fato, os problemas de adaptação que podem ser divididos em 3 tipos:
1) Os pastiches: autores com L. Sprang de Camp reescreveram(!) os contos de Howard, alterando sequência, diálogos e inserindo suas próprias ideias, além de produzirem seus próprios contos com estes personagens, incluindo Conan. Este conjunto apresentava uma série de descaracterizações e, além disso, gera uma séria confusão entre os fãs mais novos por eles desconhecerem quais são as histórias oficialmente escritas e intocadas por REH e quais são os pastiches.
2) Os quadrinhos da Marvel: a Casa das Ideias produziu histórias com Conan por mais ou menos 20 anos. Apesar de terem sido escritas e ilustradas por grandes nomes como Roy Thomas, Barry Windsor-Smith e John Buscema, a versão da Marvel do bárbaro de Howard é, rotineiramente, ridicularizada por uma série de comportamentos amenizados de sua personalidade e politicamente corretos.
3) O cinema: sem dúvida, nosso campeão. Nada fez tão mal à imagem de Conan junto ao público como os filmes estrelados por Arnold Schwarzenegger.
![]() |
Arnold Scharzzenegger em Conan - O Bárbaro (1982). Fonte: eonline |
Assim, vamos aos fatos.
- Conan não possui uma origem. Ele era um membro do povo cimério (ancestrais dos celtas no universo howardiano) que, aos 16 anos, participou de uma invasão a um forte aquiloniano (ancestrais longínquos dos francos). Diferente de seu compatriotas, que viveram sua existência isolados nas altas montanhas de seu país, o jovem tinha uma curiosidade natural e deixou sua pátria sombria para rondar pelo mundo civilizado.
Nos filmes de 1982 e 2011, os roteiristas buscam dar uma origem para a história do cimério, tornando-o um escravo ou aventureiro, mas um órfão em ambas, vítima da ação dos vilões a quem persegue durante as duas produções em busca de vingança.
- A mãe de Conan deu à luz a ele num campo de batalha ou foi assassinada pelos invasores de sua vila? Não houve invasão à vila de Conan como no filme de 1982, mas o de 2011 estrelado por Jason Momoa foi mais fiel aos livros: a mãe do bárbaro realmente deu à luz a ele em meio a um campo de batalha.
- Conan não foi escravo. Extensão do quesito sobre ele não ter um tipo de "origem". Howard tem outro personagem criado antes de Conan e que aparenta ser uma versão preliminar dele, o rei Kull da Valúsia e quem fora, de fato, um escravo nas galés em sua juventude. O diretor do longa-metragem de 1982, John Milius, disse no documentário "Conan Unchained" que leu diversos contos de REH e buscou utilizar elementos interessantes de vários em seu roteiro para o seu filme e, aparentemente, este foi um deles, mesclando partes do passado de Kull ao do cimério.
- Thulsa Doom não é inimigo de Conan. Ele é um inimigo de Kull, tendo vivido, assim, séculos antes do nascimento de Conan e o fato de sua aparição no longa-metragem do cimério entra nos elementos tirados de outros contos de outros personagens de REH para se encaixarem no roteiro final do filme de 1982 cuja revisão e melhorias coube ao próprio diretor John Milius.
- Conan é um extremamente inteligente, articulado e astuto. Os filmes com Schwarzenegger falharam terrivelmente neste quesito e espalharam para o planeta a ideia de um personagem calado, selvagem, bruto e sem muita inteligência, especialmente no primeiro longa de 1982. As versões em quadrinhos da Marvel no começo foram mais generosas, mas não deixaram de mostrar depois um bárbaro de sangue quente cuja única resposta a tudo é a violência em várias situações.
![]() |
Conan na arte de Cary Nord. |
- Conan não rezaria a Crom. Ou conversaria com ele. Apesar de poética e um dos pontos altos do filme de 1982, mesmo com seu desafio final ("e se você não me escutar, para o inferno contigo."), os cimérios de Howard não tinham qualquer relação de adoração a seu deus sombrio, Crom.
O além-vida dos cimérios, mesmo para aqueles entre eles que conseguiram cair nas graças de Crom, era absurdamente depressivo, com almas vagando em meio a névoas por uma vastidão gelada.
Portanto, eles buscavam a todo custo evitar chamar a atenção de suas outras divindades sobre si especialmente Crom, o maior deles e seu líder, seja por preces, oferendas e, especialmente, sinais de franqueza e necessidade, traços que o patriarca dos deuses detestava nos homens. O tête-à-tête que Conan/Arnold bate com ele é, simplesmente, incoerente com a obra de Howard.
- Conan não é um cara legal. Os quadrinhos da Marvel em especial buscaram retratar o personagem como um tipo de vigilante de sua era, com seu próprio código moral, mas disposto a ajudar os mais necessitados, mulheres, idosos e crianças, mandando um joinha para o politicamente correto. O Conan dos contos howardianos não possuía um código de honra, baseando-se apenas em seu modo de conduta cimério para lidar com as situações. Era um mercenário, ladrão, assassino e não hesitaria em matar, por exemplo, uma mulher que ameaçasse sua vida se fosse necessário.
Conan não era cruel, nem uma pessoa má, mas era um homem com valores bem diferentes dos civilizados, os quais, aliás, detestava em sua maioria.
Conan não tinha uma espada atlante nem uma forjada por seu pai. Isto jamais figurou em qualquer um dos contos. Ele usava as armas que tinha a mão, compradas ou retiradas dos homens que matava, mas no filme de 1982 o personagem tem a espada forjada por seu pai roubada, depois encontra uma antiga tumba atlante onde descobre uma espada de excepcional qualidade a qual passa a usar dali por diante.
A ideia porém ficou tão fortemente entranhada na grande audiência que a produção de 2011 mostrou novamente que Conan tem uma ligação especial com uma espada forjada por seu pai.
Conan sofre de depressão. Muitos autores tendem a refletir em seus personagens seus próprios dilemas e conflitos e REH não foi diferente: era um homem com imensa desconfiança na civilização, pouca socialização e, segundo alguns indícios apontam, sofria de depressão. Quando somos apresentados a Conan pela primeira vez em "A Fênix na Espada" é através de um pseudo-texto histórico, as Crônicas da Nemédia, onde falam sobre um rei bárbaro da Aquilônia que ascendeu da ladroagem à coroa em meio a uma vida violenta. E eis um detalhe curioso sobre ele, tinha "(...) gigantescas crises de melancolia (...)".
Valéria não foi o grande amor de Conan. Não há qualquer referência de Conan ter tido um tipo romântico de grande amor, embora haja referência de seu afeto com Bêlit e depois com Zenobia, com quem se casou quando já era rei da Aquilônia. No filme de 1982 estrelado por Arnold e em sua continuação, Conan - O Destruidor, o bárbaro parece obcecado com seu amor perdido, Valeria. Nos livros, ela foi apenas mais uma das amantes do cimério e sem grande impacto em sua vida.
Outra curiosidade acerca dela é que John Milius, diretor do filme e responsável por reescrever o roteiro original, fundiu duas personagens ali: a Valéria vista no conto Pregos Vermelhos e Bêlit, a rainha da Costa Negra, esta sim uma mulher a qual Conan foi bastante ligado emocionalmente como dito acima.
É do conto A Rainha da Costa Negra que Milius retirou a ideia de Valéria morrer e voltar à vida como um espectro apenas para salvar seu amado, tal qual a pirata faz.
Nem pré-História, nem Idade Média. Conan não viveu em nenhum destas épocas. No universo literário fantasioso de Howard, a humanidade teve 3 períodos: a era turaniana, a era hiboriana e a atual, iniciada na História conforme conhecemos. Basicamente, REH tem em sua obra uma grande crítica social. Ele descrevia como a humanidade saia da condição de primatas, evoluía até grandes cidades e invenções e depois começava sua decadência, que terminava num grande cataclismo que reduzia tudo a escombros e devolvia os homens à uma condição símia da qual novamente começavam a evoluir.
Assim, o período onde vivemos seria apenas a terceira tentativa dos homens, na ficção de REH, claro, de se erguer e tentar construir uma civilização. Conan nasceu em algum ponto da era hoboriana. Seu povo, os cimérios, depois do cataclismo que dizimou as sociedades daquele tempo, deu origem aos celtas.
DRÁCULA
Drácula só perde para Tarzan no número de adaptações ruins para outras mídias, mas, ironicamente, a maioria soube manter intacta os traços gerais de sua personalidade, embora alterando e fundindo personagens do romance escrito por Bram Stocker e publicado pela primeira vez em 1897.
Podemos traçar os problemas envolvendo o vampiro de Stocker junto ao público vindos através de 3 filmes nas últimas décadas: Drácula (filme de TV produzido em 1971 e estrelado por Jack Palance), Drácula (1979 com Frank Langella no papel-título) e Drácula de Bram Stocker (1992, dirigido por Francis Ford Coppola). Estas três produções definiram muitas das ideias errôneas que se tem sobre o personagem e o romance em si tais como, por exemplo, Mina ser a reencarnação da mulher de Drácula ou dele ter traços de humanidade.
Drácula é um monstro. No romance de Stocker, o conde não é apenas uma figura monstruosa por ser um morto-vivo capaz de uma série de feitos sombrios como se transformar em névoa ou lobo, nem por ser um assassino: ele é alguém perverso, sádico e cruel. Logo no começo, ele rouba um bebê de alguma vila próxima a seu castelo e dá para suas amantes-vampiras se alimentarem (o filme de 1992 chega a mostrar isso). Durante sua jornada ao longo do romance, o conde deixa uma trilha de morte e destruição, só se importando em saciar seus desejos e impor aos vivos sofrimento e dor.
Nas produções mais recentes para o cinema e TV, Drácula tem sido apresentado como um anti-herói ou antes um anti-vilão, o que é inconsistente com a obra de Strocker.
Príncipe ou conde? As produções recentes, como o filme de Coppola, tentam traçar paralelos entre o Drácula de Strocker e o Vlad III, príncipe da Valáquia, conhecido como Vlad Tepes ("impalador") ou "Drácula", filho do dragão (seu pai fazia parte da ordem de cavalaria do dragão, Dracul em latim, passando a ser conhecido por este título e Vald é depois chamado de Drácula: Dracul+a, sufixo que na língua local significava filho de). Eles são a mesma pessoa? Sim e não.
Sotcker de fato se baseou em Vlad III não apenas para retirar o nome de seu personagem, mas em alguns fatos aleatórios como o detalhe de seu vilão ter pertencido à nobreza romena e vir de uma linhagem respeitável. Porém, seu Drácula é um conde enquanto Vlad foi um príncipe. Da mesma forma, seu Drácula em vida foi um praticante de feitiçaria, algo provavelmente abominado pelo príncipe Vlad.
Drácula também não é um cara legal. Ou foi. Há uma passagem nebulosa onde Van Helsing relata que, quando vivo, Drácula foi um praticante de magia negra e que estudou sob supervisão do próprio diabo na escola de Scholomance [1] onde aprendeu vários tipos de feitiçarias[2].
A lenda sobre Scholomance de fato existe nos Balcãs, mas não há qualquer menção de que o verdadeiro príncipe Drácula tenha tido qualquer ligação com este lugar fictício. Mesmo assim, o personagem de Stocker, o conde Drácula, praticou diablere em vida e esta é, possivelmente, uma das explicações que o livro deixa em aberto para sua habilidade de ter retornado da morte como vampiro.
Mina não é a reencarnação da mulher de Drácula e eles não se amam. Não há qualquer menção disso no romance, tampouco o vampiro se apaixona por ela ou ela por ele. Na história original, Drácula quer apenas possuir Mina como sua escrava. Ela, por outro lado, o repudia e lhe tem total aversão, sendo uma mulher fiel a seu marido.
A ideia apareceu primeiro no filme estrelado por Jack Palance em 1971 e se propagou até o sucesso de Coppola em 1992. Aqui, ela gera uma imensa confusão por furos no roteiro: a princípio, não resta dúvidas da moça ser, de fato, a reencarnação de Elizabeta que se mata no começo da história. Quando ela e o conde estão no restaurante, ele lhe relata sua trágica história pessoal e ela então parece ter inclusive recordações de sua vida pregressa, porém no fim dá a entender que Drácula se reuniu a alma dela no Paraíso. Como, se ela estava ainda no corpo de Mina?
![]() |
Dracula de Bram Stocker (1992) dirigido por Francis Ford Coppola. |
Drácula é destruído pela ciência. Mesmo sendo um ocultista, Stocker quis passar em seu romance a ideia das velhas superstições da Europa sendo destruídas pela luz do cientificismo em voga em sua época. É a entrada de Van Helsing, um médico com vários contatos em outros campos do conhecimento, incluindo historiografia, que leva à derrocada de Drácula.
MENÇÃO HONROSA: HERÓI OU VILÃO? Por fim, cabe apontar que, em seu país de origem, Vlad, o personagem histórico, é um herói nacional como Tiradentes ou George Washington na cultura ocidental. A maioria dos romenos, desde o lançamentos do livro de Stocker em 1897, ressentiram-se bastante com a associação de seu principal personagem nacional a uma monstruosidade morta-viva e amoral.
![]() |
Vlad III, príncipe da Valáquia. |
O sucesso do romance apenas consolidou na maioria esmagadora do planeta a figura do Drácula monstruoso de Bram Srtocker enquanto associava por tabela o herói romano a ele. O vampiro é um mito consistente e presente na cultura daquela região na figura do strigoi, o morto-vivo, mas Vlad não foi, em qualquer parte destes séculos, associado a eles, nem em vida, nem após sua morte. Stocker apenas precisava de um nome e achou. Pegou detalhes vagos em torno de seu dono e voilá. O estrago estava feito.
Nas últimas décadas, a Romênia tem sido mais aberta ao fato e tentado capitalizar com isso, agendando visitas ao castelo de Vlad enquanto Bucareste tem várias camisas e outros suvenires envolvendo vampiros à venda em suas ruas.
TARZAN
Tarzan também é um personagem de pulps. Foi criado por Edgar Rice Burroughs, ERB, autor de outro clássico: John Carter de Marte. A estreia do herói foi em 1912 com sua primeira história depois convertida em romance, Tarzan of the Apes.
Tarzan sabe falar. E escrever. E ler. Diferente da versão mostrada nos filmes com Johnny Wisemuller onde o herói se expressa de forma grosseira com frases como "mim, Tarzan, você, Jane", Tarzan sabe se comunicar. No primeiro romance escrito por Edgar Rice Burroughs (ou ERB), Tarzan of the Apes, ele sabe escrever e ler em Inglês, tendo aprendido essas artes sozinhos através do autodidatismo dos 15 aos 18 anos, mas não sabe como pronunciar a língua, quais sons as consoantes e vogais emitem. Quando conhece outros humanos, ele passa a se comunicar com eles através de bilhetes e depois desenvolve a habilidade de conversar... em Francês. É um curioso e até cômico paradoxo apontado pelo herói no fim do livro: antes ele só sabia ler e escrever em Inglês, agora fala em Francês.
Com o tempo, Tarzan dominou o Inglês falado de forma impecável e falava também o árabe. Além disso, conhecia uma língua que praticamente outro ser humano algum sabia falar: a dos grandes macacos.
Tarzan tem uma cicatriz notável na testa. Durante sua luta com Terkoz, filho de seu padrasto, Tarzan teve quase parte de seu escalpo arrancado pelo símio. Após o processo de cura, ele ficou com uma cicatriz visível que nascia acima de sua sobrancelha direita e entrava pelo couro cabeludo até sua orelha do mesmo lado.
O ilustrador Armand Cabrera (no twitter @ArtAndInluence) fez um impressionaste retrato de Tarzan como ele realmente deveria se parecer. Confiram:
![]() |
Tarzan por Armand Cabreba (@ArtAndInfluence) |
Tarzan é um cavalheiro inglês. Tendo herdado de seus pais biológicos o título de visconde de Greystoke, John Clayton ou Tarzan também domina as artes do fino-trato e etiqueta social. Além de se sentar à mesa com demais cavalheiros e conversar sobre política, caça e outros assuntos de homens de sua época, ele manuseia de forma natural talheres, xícaras e porcelanas em geral, além de saber dirigir automóveis.
Cheeta não existiu. A macaca mais famosa do cinema e parceira de Tarzan em vários filmes foi criação de Holywood. O herói não tinha uma parceira chimpanzé em suas aventuras, embora ERB depois tenha inserido um pequeno macaco, da ordem dos micos e saguis, que o acompanhava ocasionalmente, Nikima.
Tarzan não foi criado por gorilas e outras curiosidades. Já postei um longo estudo sobre estes assuntos aqui.
PETER PAN
James M. Barrie escreveu Peter Pan e Wendy como uma peça de teatro em 1904, depois convertida em romance em 1911, mas a estreia do personagem se deu em 1902 numa história curta do mesmo autor chamada The Little White Bird.
![]() |
Ilustração de F. D. Bedford para Peter Pan e Wendy (1911). |
Para adultos. Assim como O Pequeno Príncipe de Saint-Exupéry, Peter Pan é um romance que dialoga com as crianças, mas cujas as entrelinhas são entendidas apenas pelos adultos. Há diversos elementos sombrios na narrativa junto com alegorias sobre morte, envelhecimento e passagem para a vida adulta. Enquanto os pequenos se divertem com as peripécias e os voos de Peter, são os pais e mães quem de fato entendem o que se está dizendo ali.
Dentes de leite. Peter tem todos os dentes de leite mesmo já sendo um menino com idade para já ter perdido no mínimo a maioria. O fato é um dos elementos que compõe sua aparência quase como um ser folclórico, junto com suas vestes de folhas.
Capitão Gancho é o pai de Wendy e seus irmãos. Esta é uma das grandes alegorias do livro/peça perdida na adaptação da Disney em 1953, pela qual a maioria das pessoas conhece a história de Peter. James M. Barrie deixou recomendações expressas para Gancho ser interpretado pelo mesmo ator que fizesse o sr. Darling, pai de Wendy, John e Michael. A relação é que da mesma forma como o pai queria que Wendy começasse a crescer - exercendo um tipo de tirania sobre a infância da menina -, Gancho é inimigo dos garotos perdidos, crianças que vivem livre.
Ambos são a mesma pessoa e representam a figura do gatilho responsável por chamar o indivíduo da infância para a idade adulta e suas responsabilidades. Assim sendo, Gancho é inimigo mortal de Peter Pan, o menino que se recusa a crescer e representa o espírito da infância pura e inconsequente.
O filme de 2003 manteve este detalhe e tanto Darling quanto Gancho são interpretados por Jason Isaacs.
![]() |
Jason Isaacs como Capitão Gancho no filme Peter Pan (2003). |
Peter Pan, o assassino. Enquanto Peter não queria crescer e conseguia permanecer como um menino através dos anos, o mesmo não se dava com os garotos perdidos, meninos que ele resgatava da orfandade e das ruas de Londres e levava para a Terra do Nunca. Eles cresciam. Porém, Peter só permitia que crianças vivessem em seu grupo. O que ele fazia? Matava os grandes. Este detalhe parece ser chocante demais e foi negligenciado nas adaptações para cinema.
Sininho morre. Primeiro, vamos parar com essa besteira de Tinkerbell. O nome da personagem há décadas no Brasil é Sininho. E sim, ela morre. Não ficamos sabendo como, mas as fadas, como é dito no livro, tem vida curta. Quando Peter volta a visitar Wendy anos depois e a encontra adulta e mãe de uma menina, Jane, sua antiga colega o questiona onde está a fadinha. Peter não tem ideia de quem ela falava. Ele havia esquecido de Sininho. O que nos leva a...
Como Peter não crescia? A resposta é um mistério que Barrie instiga na cabeça do leitor. Há um elemento sobrenatural em curso, mas ele está ligado a uma alegoria (outra): Peter simplesmente esquece das pessoas e fatos. Ele não tem, a longo prazo, apego emocional a alguém, nem mesmo a sua própria história pessoal. É assim, por exemplo, que ele simplesmente esquece de Sininho após a morte dela.
De alguma forma, esta capacidade lhe garante permanecer como uma criança e não crescer.
Menino ou menina? Peter é um menino. Fato. Mas se observarmos a representação da Disney, veremos certos traços andróginos em seu desenho, quase femininos. A razão disso é simples: embora seja uma peça pouco conhecida e encenada no Brasil, no Reino Unidos e nos EUA ela era bem famosa havia anos quando as adaptações para cinema e animação começaram e o papel de Peter era interpretado costumeiramente por uma mulher adulta no teatro!
A primeira versão da peça para o cinema foi um filme mudo com atores onde, assim como nos palcos, Peter foi vivido por uma mulher, a atriz Betty Bronson, em 1924.
![]() |
Peter Pan dos estúdios Disney. |
Assim, provavelmente para manter uma coerência visual com a imagem que a audiência tinha de Peter, geralmente visto com traços femininos, os artistas da Disney sutilmente inseriram alguns em sua fisionomia, além das orelhas pontudas, algo que Barrie não menciona no texto.
BIBLIOGRAFIA
[1] STOCKER, Bram. Drácula, O Convidado de Drácula, Drácula: Uma História de Mistério - Edição Bilíngue. Editora Landmark, SP: 2012, p. 182.
[2] Ibid. p. 222
0 comentários:
Postar um comentário