[CINEMA] A LENDA DE TARZAN

Há vários adjetivos com os quais podemos qualificar A Lenda de Tarzan: fantástico, exuberente, divertido, tocante... Excelente. Mas antes de entender como a produção conseguiu tantas estrelas, vamos olhar sobre seu personagem central, o próprio Tarzan ou John Clayton.


Criado pelo escritor Edgar Rice Burroughs (ERB), ele estrelou sua primeira aventura em 1912 dentro da literatura pulp com a novela Tarzan of the Apes (Tarzan dos Macacos), depois lançada em formato de livro. Trata-se, portanto, de um personagem com mais de 100 anos de existência e que ganhou versões em várias outras mídias desde novelas de rádio, passando por quadrinhos, animações até o cinema onde teve seu primeiro filme em 1918.

É fato notório que ERB morreu se ressentindo do fato de Tarzan não ter uma versão fiel à sua obra no cinema, onde era retratado costumeiramente como um selvagem abrutalhado com pouca ou nenhuma destreza social, mas isso não impediu o autor de, no papel de homem de negócios, de continuar licenciando sua obra para os estúdios até falecer.

De volta ao presente: A Lenda de Tarzan já começa pisando em ovos ao contar à audiência que a trama se passa durante a ocupação do Congo pela Bélgica e funde a crise social e financeira, responsável por um dos maiores e mais odiosos massacres e genocídios da História moderna, com a ficção de ERB ao colocar o rei Leopoldo II atrás das jóias de Opar para saldar sua dívidas militares e colonialistas. Para tanto, ele encarrega Leon Rom (Christoph Waltz) de obter o tesouro. Em sua busca, o ganancioso mercenário encontra o rei Mbonga (o ótimo Djimon Hounsou) o qual tem uma vendetta antiga com Tarzan (Alexander Skarsgård), quem agora vive uma pacata vida em Londres com sua esposa, Jane (a linda Margot Robbie).

Assim como nos romances de Tarzan, o diretor David Yates e seus roteiristas Adam Cozad e Craig Brewer não se isentam de fazer críticas à escravidão e à colonização. Passando pelo comércio de marfim e até pela dizimação física e moral que o Congo passou nas mãos dos belgas e seus mercenários, o trio pontualmente envia sua mensagem, mas sem esquecer de que sua produção se tratar de uma aventura e, no fim, conseguem entregar um dos raros exemplares de diversão inteligente do moderno cinema estadunidense.


Embora sejam caucasianos inseridos no continente negro, Tarzan e Jane mostram um grande respeito pela cultura local e, num incrível detalhe que denota toda sensibilidade da equipe criativa envolvida no longa, comunicam-se com os nativos na língua deles e não o contrário.

Enquanto adaptação, A Lenda de Tarzan toma, sim, algumas liberdades desnecessárias com a fonte original como quando, por exemplo, o pai do herói menciona o fato dele e da esposa terem sobrevivido a um naufrágio quando foram de fato poupados de serem mortos num motim e deixados numa remota praia africana pela tripulação do navio entre outros pequenos desvios da fonte original, mas no fim, nada ofensivo.

Impossível também não dar ao filme o mérito de, pela primeira no cinema com atores de verdade, mostrar os macacos que criaram Tarzan como criaturas diferentes de gorilas ou de qualquer espécie conhecida pelo homem. Embora diferente dos livros e quadrinhos eles ainda nao falam, são capazes de comportamentos incrivelmente racionais como direcionar manadas de búfalos. Eles são inclusive chamados de manganis, o nome de sua espécie no universo literário de ERB (para saber mais sobre eles, confira o link no fim da resenha).

Assim como seu nome evoca, há um tom quase mítico no filme em torno de Tarzan. Com seus 100 anos, o personagem é tratado nas telas de forma quase mitológica onde se destaca a incrível sensibilidade de Yates na direção ao sair do campo comum visto em outras adaptações que estão inundando o mercado e apresentar seu estilo próprio na condução das câmeras em várias cenas. As tomadas são detalhistas, a lente se apega à olhos, facas, tudo que mostre ao público o quão é real aquele mundo fantástico.

O elenco, por fim, é praticamente irrepreensível. Skarsgård, ao lado de Lex Baxter, é praticamente o Tarzan saído dos livros de ERB se não fosse pelo detalhe de seus cabelos loiros ao invés de negros, mas sua presença física é tão imponente que isso acaba sendo perdoado. Este é John Greystoke e luta para manter sua infância e adolescência como criança selvagem longe de sua realidade e, com a performance de seu ator, transita entre o homem e a fera com incrível destreza. Margot Robbie por outro lado figura entre as Janes mais lindas do cinema ao lado de Maureen O'Sullivan e, diferente de seu colega de cena, se aproxima mais da personagem original por ser de fato loira. Samuel L. Jackson entra como puro alívio cômico e possivelmente para apaziguar o pelotão do politicamente correto ao apresentar um segundo herói afro-descendente apoiando o protagonista caucasiano. Waltz entrega um vilão um pouco melhor do que aquele de 007 contra Spectre (confira minha resenha aqui), mas Rom não é memorável e, sinceramente, sua função acaba sendo o de o conduíte para o público (re)conhecer e se (re)conectar a Tarzan.



Por fim, como poderíamos sumarizar A Lenda de Tarzan? Se o Hulk de Ang Lee, O Homem de Aço e Batman vs. Superman - A Origem da Justiça de Zack Snyder tivessem realmente dado certo ao invés de serem os fiasco de prepotência pseudointelectual que são, eles seriam este filme aqui, uma adaptação decente que flerta na dose certa com um cinema mais sério, mais esteticamente bem apurado e capaz de deixar seu diretor ter espaço suficiente para assinar visualmente seu projeto, mas sem esquecer de apresentar ao público diversão de primeira qualidade com imersão num mundo fantástico e atrativo, tal como os livros nos quais foi baseado.


Acima de qualquer qualidade e falha que se possa encontrar nele, A Lenda de Tarzan é um filme lindo de se ver. Se você tem filhos, pode levá-los também. E sim, apesar de não ter visto todos os filmes de Tarzan produzidos, é o melhor filme do personagem feito até hoje. Se vivo, ERB teria, enfim, ficado orgulhoso.

PS.: Se você é fã do Tarzan da Disney ou de Greystoke - A Lenda de Tarzan (1984) fique atento às homenagens sutis que a produção faz a estes dois filmes!

CONFIRA OS DOIS ARTIGOS SOBRE TARZAN DESTE BLOG:
- TARZAN NÃO FOI CRIADO POR GORILAS E OUTRAS CURIOSIDADES

- CONAN, PETER PAN, DRÁCULA E TARZAN, ESSES DESCONHECIDOS





2 comentários:

  1. Esse é um filme maravilhoso amei tambem Djimon Hounsou. Muitos poucos filmes juntam a tantos talentos como Rei Arthur a Lenda da espada fez. Parece fantástico que em um filme se pode ver Charlie Hunnam e Jude Law compartindo seus diferentes estilos de atuação, sobre tudo é umo dos melhores da Djimon Hounsou movies ele sempre faz um excelente trabalho como ator, tem talento.

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    1. Houston fez um ótimo trabalho neste filme mesmo, Monica. É uma pena que a produção não alcançou o sucesso comercial que merecia, mas já figura entre umas das melhores adaptações das obras de Burroughs para o cinema, senão a melhor.

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Formado em Design Gráfico pela UEMG, apaixonado por História, Sociologia, Literatura, Filosofia, sociedades orientais, culturas antigas e cinema asiático.

Meus hobbies são leitura, escrever, games, desenhar e colecionismo (livros, filmes, quadrinhos, figuras de ação, dvds etc). Também possuo um blog dedicado ao Superman, o Kryptonauta.

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