Foi nesta época que ocorreu um dos mais polêmicos episódios da vida de Lee: sua luta com Wong Jack Man. Repleta de controvérsias a favor ou contra de um ou outro, ela ocorreu num depósito com poucas testemunhas e foi um combate real, sem juízes ou mediadores, capaz de causar a morte de um dos dois. As razões são disputadas por biógrafos e até o fato de Bruce ter sido declarado vencedor não é unanimemente aceito, especialmente por seus detratores até hoje. Desnecessário dizer que a soma destes elementos com uma fase da vida do astro pouco explorada pela grande mídia era um prato cheio para um livro ou um filme... E ele virou os dois, sendo A Origem do Dragão a primeira vez que ela chega aos cinemas, mas não à película.
Entra aqui o segundo ponto: é interessante para qualquer um assistir antes na Netflix The Legend of Bruce Lee, talvez a mais completa biografia feita sobre ele. Um novelão em 50 episódios supervisionados por sua filha, Shannon Lee, e talvez a primeira que explorou a rivalidade entre Bruce e Wong Jack Man.
Estamos falando de produções distintas na qualidade: a série tem um grande peso amadorístico na produção, apesar de apresentar praticamente todos os fatos relevantes da vida de Bruce Lee enquanto A Origem do Dragão é uma produção bem dirigida e atuada voltada pra os cinemas, mas as duas falham em um ponto concernente a este episódio: são incrivelmente fantasiosas, apresentam distorções contra e a favor de cada um a seu bel prazer e, no final, apenas aumentam a polêmica em torno do combate entre ambos.
Dito isto, como cinema, A Origem do Dragão funciona muito bem. A direção de George Nolfi é competente e a cinematografia de Amir Mokri é charmosa. Phillip Ng é um Bruce Lee bastante convincente sem parecer caricato e Xia Yu nos entrega um Wong Jack Man contido e experiente. São os grandes pontos altos do filme.
O grande problema da produção pode não ser problema algum para a grande audiência: veracidade. Ou antes, um compromisso maior com a verdade por se tratar de uma história real envolvendo duas pessoas que realmente existiram. Enquanto a série escolhe vilanizar Wong Jack e isentar Lee, aqui ocorre praticamente o oposto. Embora haja espaço suficiente para uma "redenção" de Bruce, o roteito aqui claramente coloca o adversário num nível moral muito maior. Realmente uma pena pois, do ponto de vista narrativo e cinematográfico, era uma oportunidade de ouro de mostrar o evento sob diferentes focos e deixando o espectador decidir por si quem estava com a razão ou realmente foi o vitorioso.
Além disso - e aqui vem seu maior crime -, ele cria uma trama absurda e igualmente irreal em torno de um aluno de Lee que decide se tornar aprendiz de Wong, apaixona-se por uma escrava chinesa de uma das tríades chinesas (grupos mafiosos) e acaba, com isso, "explicando" a luta dos dois mestres. O absurdo nem mesmo começa aí, mas sim quando eles jogam na cara da audiência nas primeiras imagens uma frase implicitando que a razão pela qual os dois lutaram é "obscura" o que, é claro, é falso. Há também a derrapagem horrível do "trem dos fatos" quando colocam Wong Jack Man como um monge em viagem de redenção para se redimir de uma falha.
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Bruce Lee enfrenta Wong Jack Man Fonte: Den of Geek |
Como eu disse, para a audiência em geral, isto não será empecilho para diversão em grande parte. A Origem do Dragão consegue ser um filme divertido, caindo naquela sessão descompromissada, mas a trama envolvendo o casal desvia demais o foco até daqueles interessados em um filme mais objetivo e biográfico, já que o casal não tem absolutamente nada a ver nem com Lee nem com Wong, e ela mesma pode acabar cansando o mais disposto dos fãs, seja de Bruce Lee, artes marciais, cinema oriental ou apenas bom cinema.
Além disso, ele parece abraçar a representação que algumas pessoas tem de Bruce Lee como um jovem arrogante e brigão que ensinava um kung fu não muito embasado moralmente, o que é falso e de maneira alguma este parágrafo é escrito por um fã defendendo uma personalidade. Neste ponto, a série de TV presta um imenso favor apresentando o homem mais perto da realidade com qualidades e defeitos: Bruce era realmente arrogante, mas era alguém extremamente seguro de si e de seu potencial, algo nunca bem entendido por seus pares e passava longe de ser alguém que ensinava seus alunos a "kick ass" como aparece aqui.
É indicado? Certamente, com um monte de ressalvas na frente. O filme certamente irá entreter, mas não pode, sob hipótese alguma, ser tido como a última palavra sobre o combate entre Lee e Wong, nem sobre a personalidade deles, nem sobre a luta, nem sobre quem foi o vencedor, nem sobre os possíveis envolvidos no meio. O vitorioso mesmo pode ser quem conseguir passar pela produção apreciando seus pontos altos e desconsiderando suas derrapadas, que não são poucas, mas as quais não deixam ninguém muito machucado ao final.
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